sábado, 15 de janeiro de 2011

ISABEL ALÇADA E LURDES RODRIGUES: FARINHA DO MESMO SACO?

            Para ser objectivo, o saco é o mesmo, mas a farinha é diferente. Lurdes Rodrigues foi a caceteira escolhida por Sócrates para pôr os professores na linha. Como é sabido, exagerou e foi mandada para presidente de uma fundação: o céu de qualquer político quando deixa de o ser. Lurdes era a ‘Pide má’, isto é, a que dava pancada. Isabel Alçada é a ‘Pide boa’, a que dá carinhos para ver se o torturado se rende.
            O Ministério da simpática e carinhosa Isabel Alçada está a prepara-se para pôr na rua cerca de trinta mil professores (uma boa parte deles já com muita experiência de ensino) através de um conjunto de medidas muito pouco pedagógicas. O Sousa Tavares, esse grande ‘fazedor de opiniões’ que só são assim porque não são assado (isto é, interessa é atirar umas coisas para o ar porque o dinheirinho ganho com as suas opiniões da treta, esse é que interessa) é bem capaz de vir aplaudir o pacote de medidas, porque o país está em crise blá, blá, blá. Todavia, não nos esqueçamos que estas medidas irão ser aplicadas para pôr professores na rua. A poupança de dinheiro para consolidar as finanças públicas (que saboroso cliché) já está a ser levada a cabo com os cortes salariais na função pública.
            Os pais parecem estar distraídos, mas este é mais um rude golpe para o ensino público. Estas medidas irão fazer com que um número mais reduzido de professores faça o trabalho deixado pelos milhares que irão para a rua. Com quem é que o Ministério da Educação aprendeu isto? Claro, com os grandes patrões, os que ganharam rios de dinheiro fazendo com que um funcionário levasse a cabo o trabalho que deveria ser feito por dois ou três. Uma das consequências inevitáveis deste pacote de medidas (de entre as quais destaco as alterações curriculares, que não visam um melhor ensino, mas sim menos gastos no ministério) é o aumento do número de alunos por docente. (Estamos tão longe da Finlândia…o modelo de ensino que o Sr. Sócrates queria para a nação)
            E onde é que fica Isabel da Alçada figura no meio disto tudo? No triste papel da pessoa que tem conhecimento e inteligência suficientes para saber que nada disto irá melhorar o ensino público (Alçada foi professora do básico e secundário durante muitos anos, até a carreira literária vir pôr um termo ao mundo fascinante da docência em Portugal), mas que se mantém impávida e sereníssima no seu papel de Durão Barroso: a fazer pela vidinha, a piscar o olho a um tacho que já não está muito longe. A ‘Pide boa’ também irá para o ‘céu’.

            No próximo mês de Setembro veremos Alçada num pequeno vídeo do ‘youtube’ a consolar os professores que irão para o desemprego.

            Isabel estica um sorriso de orelha a orelha, e com um olhar compungido de dor…e, já agora, com um sotaque à Lili Caneças…(no melhor pano cai a nódoa)

Queridos professores, é com o coração apertado que vos venho falar. A vossa vida não será fácil, tenho consciência disso. Eu sei o que estão a sentir, pois uma vez tive de despedir a minha mulher-a-dias, coitadinha, e acho que estive deprimida umas duas horas. Venho aqui lançar-vos um sinal de esperança…há vida para além do ensino, Portugal é um país promissor e em plena expansão económica; todos encontrarão o seu lugar ao sol, não tenho qualquer dúvida disso. Olhem, aproveitem o subsídio de desemprego e façam umas feriazinhas, escrevam livros para crianças…mas não se esqueçam que não podem chamar-lhe ‘Uma Aventura…’ esses já existem. Façam tricot; está na moda e é muito chique…todas as minhas amigas o fazem.
Neste momento de dor, quero sublinhar a ideia de que o novo ano lectivo que está prestes a começar arrancará mais pobre sem vocês. Boa sorte, meus queridos.

Cameraman: Ó Dr.ª, na se vá emora ainda…agor’é o vídeo p’rós putos…os alunos…
Alçada: Ah, é verdade! Olhe, já me esquecia…que cabeça a minha…eh, eh, eh.

Noel Petinga Leopoldo


P.S. Segundo os resultados de um daqueles estudos europeus que Sócrates costuma usar para humilhar os docentes, neste caso o ‘PISA’, os professores portugueses apresentaram muito bons resultados no que concerne à confiança que os alunos sentem relativamente ao ensino por eles ministrado, assim como na qualidade da relação pedagógica professores-alunos. Isto não foi noticiado de forma condigna, obviamente. Os professores estão mesmo a precisar de um lobby na imprensa nacional.

domingo, 9 de janeiro de 2011

CAVACO E AS (BOAS) ACÇÕES

O meu nome é Tó Escamas da Cunha Cabral e sou um mero repórter fotográfico de um pasquim que se chama “Petinga Empalhada”. Escrevo esta carta ao director pois obtive, por mero acaso, um furo jornalístico de inquestionável importância: Cavaco comprou as acções a preço de saldo, na Feira da Ladra, e as suas intenções não foram especulativas, mas sim enternecedoras.
Como é que descobri? Fácil, eu estava lá a vender gravadores de bolso e pude registar a conversa entre Cavaco e o fulano da SLN.

Feira da Ladra, 9 horas da manhã

Fulano da SLN: Acções baratinhas, olhás acções baratinhas…é pegar ou largar…
(Aparece Aníbal Cavaco acompanhado pela sua esposa e restantes membros da família…Maria Cavaco fica para trás a ver uns livros sobre a vida de Cristo…um deles era O Evangelho do Saramago…carrega o sobrolho e num esgar de vómito larga o livro e desata a correr em direcção ao esposo, agoniada. Aníbal não lhe passou cavaco…estava doido com o preço das acções. Aníbal aproxima-se e, fingindo não conhecer o vendedor, enceta conversa)
Aníbal: Está um dia bonito, sim senhor…um dia fantástico para comprar acções a preço de saldo.
(O fulano da SLN reconheceu a senha…só podia ser o sotôr Aníbal)
SLN: Tenho aqui umas belas acções. Estão a um euro. Posso garantir-lhe que ali estão a vendê-las a dois e três euros.
(Os olhos de Aníbal reviraram-se de prazer…Maria já tinha visto aqueles olhos antes, num contexto diferente)
Aníbal: Sabe, sou um avô babado…
SLN: O meu era bêbedo…
Aníbal: Estou com alguns problemas financeiros…os meus netos estão sempre a reclamar presentes. Quando vão lá a casa, aparecem logo com a mão estendida. Comecei por dar-lhes bombons, ovos de chocolate…mas entretanto cresceram e querem sempre mais. Na última vez foi um porche e três I-Pad. Nunca estive tão em baixo…
SLN: Há comprimidos bons para isso…
Aníbal: …eu estou a falar em termos financeiros. O meu instinto de grande economista diz-me que devo ficar por aqui. As outras acções, as mais caras, vão dar menos dinheiro, penso…
(Maria carregou o semblante…nunca vira Aníbal esboçar dúvidas em público...muito menos dúvidas de um calibre tão…imbecil. O fulano da SLN esboçou um sorriso cúmplice)
Aníbal: Aqui está o seu dinheiro.
SLN: Aqui estão as suas acçõezinhas, sotôr.
(Aníbal tenta esboçar um sorriso, mas não consegue...fica-se por um esgar que podia confundir-se com um indício de possível ida à casa de banho. O homem da SLN diz que aquelas coisas acontecem, e indica a latrina mais próxima com o braço estendido. Aníbal não percebeu. Maria ficou incomodada…nunca vira o marido a mostrar total ausência de compreensão em público. Pela sua careta podia ver-se que o marido iria ouvir das boas em casa. Aproxima-se o neto mais novo de Aníbal, montado numa moto 4)
Neto mais novo: Avô, vou levar esta…
Aníbal: Ó meu querido, agora não pode ser, mas daqui a uns aninhos estes papelinhos que tenho na mão podem comprar todas as motos 4 que quiseres. Tens de ter paciência, queridinho.
(Aproxima-se o neto ainda mais novo de Aníbal. Na mão traz um livro muito manuseado)
Neto ainda mais novo: Avô! Quero este livro…gosto do desenho…e custa só 50 cêntimos. A avó está sempre a dizer que temos de ler muito para ficarmos muito espertos.
(A avó Maria, babada, aproxima-se do neto. Quando vê de que livro se trata não tem tempo sequer de pensar em latrinas…os restos do pequeno-almoço mancham a capa onde ainda se podiam ler as palavras ‘Evangelho’ e ‘Saramago’. O pai do rapazito não percebeu…é mesmo um Anibal)

Noel Petinga Leopoldo

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

CAVACO E OS POBREZINHOS

Cavaco Silva (Sr. Presidente, para os amigos) tem andado muito com os pobrezinhos na boca, ultimamente. Fontes próximas da Presidência já revelaram que o Sr. Presidente não se preocupava tanto desde que a sua esposa Maria (reformada como professora do ano zero (!) de Literatura Portuguesa na Universidade Católica) se engasgou com uma cavaca das Caldas, ou quando o Papa vacilou no nome de um dos netos do presidente. No fim, Cavaco suspirou de alívio: o Papa não se enganara. Aliás, para Cavaco, um Papa nunca se engana…nem tem dúvidas…(onde é que já ouvi isto?)
Cavaco foi Primeiro-Ministro de todos os portugueses durante o tempo suficiente para distribuir correctamente os tais dinheiros vindos da Europa, e para fazer as reformas necessárias ao desenvolvimento do país; todavia, como é sabido, algo mais importante se interpôs entre ele e esses nobres propósitos: as obras públicas, a criação de pseudo universidades em todos os cantos do país, e o betão. Altos princípios, portanto. Cavaco tem bom coração; é amigo do seu amigo: catedráticos arrivistas, empresários ávidos de dinheiro e empresas construtoras. (Para além de todos os seus incontáveis feitos, (entre os quais se contam… agora não me ocorre nenhum, tenho fraca memória…) Cavaco ainda ficará na história por ter sido a força motriz que lançou uma nova classe social: a dos burgessos; mais conhecidos como novos-ricos. Nouveau-riche, em Francês, para dar um toque de irrepreensível cultura sociológica.
Há uns anos atrás, Cavaco não estava muito sensibilizado para esta questão da pobreza e dos que têm menores rendimentos. Pode-se dizer que a energia dos seus verdes anos (sim, pois se um agricultor é jovem até aos cinquenta, Cavaco, enquanto Primeiro, estava na força da juventude) se encontrava toda ela dirigida para a criação de dinheiro que seria usado pelos amiguinhos, dele e dos partidos, (para ajudar os pobrezinhos, claro). Sempre a fazer o bem, aquele bom cristão.
Todavia, tempus fugit, como muito bem diziam os latinos, e Cavaco, com a lágrima no canto do seu olho manhoso, lá vai dissertando sobre a pobreza daqueles que recebem cem vezes menos do que ele à custa da sua tri-reforma. (Tadinhos!). Se Cavaco ganhar as eleições, desta vez é que ele vai ajudar os pobrezinhos. As outras hipóteses que teve, não contam. Se ganhar as eleições, não lhe ofereçam cavacas das Caldas, lembrem-se que a senhora Maria é muito engasgadiça. (Tadinha!)
Noel Petinga Leopoldo

P.S. Ruy Belo - In memoriam
SONETO SUPERDESENVOLVIDO

É tão suave ter bons sentimentos
consola tanto a alma de quem os tem
que as boas acções são inesquecíveis momentos
e é um prazer fazer bem

Por isso se no verão se chega a uma esplanada
sabe melhor dar esmola que beber a laranjada
Consola mais viver assim no meio de muitos pobres
que conviver com gente a quem não falta nada

E ao fim de tantos anos a dar do que é seu
independentemente da maneira como se alcançou
ainda por cima se tem lugar garantido no céu
gozo acrescido ao muito que se gozou

Teria este (se não tivesse outro sentido)
ser natural de um país subdesenvolvido

Ruy Belo

ÚLTIMA SESSÃO: JÁ NÃO HÁ CINEMA EM PENICHE

“(...) de uma vez que passei férias em Portugal,
fui para norte. Estive em Peniche – recordo-me
de ir ao cinema, que era frequentado pelos
pescadores, e havia raparigas que passeavam
à noite com os namorados, e isso era muito bom.”

Entrevista a Hugo Pratt
in Corto Maltese no Público, p. 18


Hugo Pratt, um dos maiores escritores de banda desenhada de sempre, andou em tempos pela península de Peniche e pelo concelho, lembrando-se inclusive –como se pode ver pela epígrafe deste artigo- de uma ida ao cinema local. A grata visão das plebeias sessões no Cinemar ter-lhe-ão recordado a sua Itália natal e as moças de altas pernas, vestidos de cetim cingidos à anca escultural e generosos lábios carnudos e molhados dos filmes do Rosselini e do De Sica. (Acho que, sem querer, fiz um tosco esboço da Sofia Loren.)
Infelizmente, os autarcas que decidiram pela condenação do edifício do Cinemar em favor da viabilidade imobiliária, não só não tinham a visão romântica de Pratt, como não tinham qualquer outro tipo de visão digno desse nome. Aliás, ver para além do imediato é o que separa um bom autarca de um vendedor de banha da cobra. Ao contrário do que foi feito noutros locais –veja-se o bom exemplo de Alcobaça- a autarquia de Peniche não investiu num verdadeiro cine-teatro. Terão pensado, nas suas vistas de curtíssimo alcance, que o “cine-teatro do padre” e as suas celestiais condições bastavam a Peniche (e sobravam). Com o fim do Cinemar ficou a sala do Centro Comercial Quarto Crescente. Não era a mesma coisa, mas passou muito e bom cinema ao longo de várias décadas (e sem as irritantes pipocas do cinema sub-desenvolvido). A sala resistiu durante um certo tempo, mas acabou por ter o mesmo destino da outra.
O que explica o fim do cinema na nossa localidade não é apenas a proliferação do DVD pirata, dos downloads, a proibição de pipocas, e as carências económicas e culturais da população (apesar de o Chico-esperto português ter um prazer especial na doce ilegalidade e no facto de ver, de graça, um determinado filme um mês antes dos cem mil portugueses que ainda não aderiram à pirataria). A autarquia, pela mão dos seus responsáveis –quer num, quer noutro caso- negou a persistência do cinema em Peniche. Os autarcas são os verdadeiros responsáveis. (Os carnavais de inverno, de verão e os outros, que ocorrem ao longo do ano, são mais merecedores de investimento...dão mais nas vistas, que é o que interessa. Até parece que lhes leio o pensamento, “o Carnaval é popular, o cinema é elitista”).
Na verdade, desapareceu outra sala de cinema, e a Câmara (mais uma vez) assobia para o lado, como se nada lhe dissesse respeito. À Câmara resta-lhe penitenciar-se –e a partir de agora pode fazê-lo na recentemente convertida sala de cinema do Quarto Crescente- e lavar a cara, apostando num auditório digno de uma cidade que tem de deixar de ser um vilarejo provinciano, coutada e recreio de ‘elites’ pacóvias, estéreis e novo-ricas que é hoje...ainda. (Aproveito para criticar publicamente a aposta naquela espécie de auditório do edifício da Parreirinha. Se não havia condições para fazer algo digno, então qual o interesse de gastar dinheiro naquilo. Esse dinheiro seria mais bem aplicado na compra da sala de cinema do Quarto Crescente, por exemplo. Perdidas aquelas duas oportunidades, a nova biblioteca seria o espaço ideal para fazer um excelente auditório e ressuscitar o cinema).
Quanto à confissão religiosa que irá ocupar o espaço do cinema, e não querendo menosprezar a verve e carisma dos seus oradores, propunha que passassem (dado terem as condições necessárias para isso) uma série de filmes que dizem mais do que todos os pregadores deste mundo, e do outro. Assim, venho por este meio solicitar à confissão que se prepara para residir no Quarto Crescente que, em lugar das celebrações dos primeiros meses, projectassem os seguintes filmes: A Palavra (do Carl Dryer); Morangos Silvestres (Ingmar Bergman); A Sombra do Caçador (Charles Laughton); O Rio (Jean Renoir); todo o Elia Kazan que estiver à mão; O Sol Nasce para Todos e As Vinhas da Ira (John Ford); A Última Sessão (Peter Bogdanovich). Ao levar a cabo semelhante ciclo de cinema, estariam a substituir-se à autarquia, mais concretamente ao pelouro da cultura, na sua altíssima missão de educar as massas. Quem sabe se ao ver o “Young Mr. Lincoln” do John Ford, um qualquer escroque com ambições políticas não se converteria num Obama e salvaria a nação lusa?! Nunca se sabe!


Noel Petinga Leopoldo

sábado, 1 de janeiro de 2011

Portugal está nas mãos dos saloios

              Deste mundo que morre (...)
              não me despeço. Morrerei tranquilo,
              ciente de que isto acaba de acabar-se,
              e uma outra raça há-de nascer na Ibéria
              que será minha como esta não:
              um povo aguarda e espreita, e sabiamente espera
              que os ratos se devorem uns aos outros.

                                   Jorge de Sena, 31 Dez. 1971
                                   in Visão Perpétua


            Já muito tem sido dito e escrito sobre os factores que levam a que Portugal não saia da cepa torta. Os últimos tempos têm sido pródigos em causas. Já deixámos a época das suposições; agora, temos certezas: o carácter absolutamente saloio da nossa classe política, empresarial e financeira é que está a dar a estocada final no país, não a pseudo-falta de produtividade dos trabalhadores explorados até ao tutano, não os custos com o ‘monstro’ da administração pública.
            Convém explicitar o que é esse carácter saloio, e em que medida ele obsta ao desenvolvimento do país. O saloio já não é aquela figura patusca que vivia nos arrabaldes de Lisboa e cuja mulher ganhava uns tostões a lavar a roupa das burguesinhas da capital. O saloio é, sim, um ser asqueroso que leva a sua vida com o único propósito de se vingar do facto de ter sido (em tempos) o mais pobre do lugarejo, ou de não ter tido a vida fácil dos meninos mais ricos. Entretanto, o saloio espalhou-se, saiu do terrunho e multiplicou-se, como os ratos. Hoje tanto há saloios nas beiras, em Caneças, ou na Avenida de Roma (mesmo antes de a ministra da educação ter adquirido lá uma modesta ‘casinha’). Eles chegaram ao poder, e em força; o objectivo: comer tudo e não deixar nada.
            A proliferação de políticos vindos dessas escolas de talentos que são os partidos políticos deu-se rapidamente e atingiu o ponto máximo com José Sócrates. Ainda o actual chefe do governo era um modesto engenheiro técnico (que sonhava ser apenas eng.º), já tinha a cabeça noutros lados. (O homem andava tão distraído que até rubricou uns projectos de casas que a ridícula Lili Caneças teria pudor de perfilhar). A sua ambição levava-o para longe, para a carreira política num partido de poder. Depois de ter estado à experiência na juventude da laranjada, passou-se para o PS (não sei se antes ou depois de ter apertado a mão da Edite Estrela, a mulher invisível que é a n.º 2 para a Europa). A mãozada saiu-lhe cara, isto é, entrou no partido pela porta da frente. Chegado à capital, enfiou-se no ISCTE (um ninho de altos quadros da saloiice). Cedo se apercebeu de que tinha de ser eng.º o mais rapidamente possível, pois a sua carreira política não podia esperar mais. O seu companheiro de carteira viria a ser, nada menos do que Armando Vara, prestes a tornar-se um carreirista profissional. Foi assim que o homem se engenheirou via ‘simplex’ (avant la lettre).
            A carreira política até podia ser uma coisa com a sua dignidade, pois então. O pior é que os saloios (os tais que só cá estão para sugar o sangue da manada) descobriram que a política os poderia levar ainda mais longe, muito mais longe. A invasão saloia atingiu proporções verdadeiramente malignas quando os seus protagonistas se aperceberam de que as câmaras municipais das santas terrinhas não eram o fim da escalada. Com o tempo, a Assembleia da República e as denominadas cúpulas dos partidos foram recebendo os saloios ávidos de poder e influência, e desejosos de vingança. Enquanto isto acontecia, os homens e mulheres da antiga escola da ética política iam morrendo, ou ensandecendo (não é verdade Sr. Almeida Santos?) e o caminho ficou ainda mais livre. Não há português vivo que não associe o nome de Portugal a crise; são indissociáveis. Com esta leva de políticos saloios que nos governa (e governará) a sentença de país em crise passou a perpétua. (A Escola até podia acabar com isto, mas os saloios estão empenhadíssimos em dar cabo dela, claro. Já dizia o Cardoso Pires na sua recomendável “Cartilha” que o marialva –leia-se, saloio- desconfia muito dessas coisas que vêm nos livros, pois podem dar a volta ao miolo, que se quer vincadamente pacóvio.)
            Há muitos protagonistas desta marcha saloia: Vítor Constâncio, Américo Amorim, Jardim Gonçalves, o governo (excepto Luís Amado), Cavaco Silva, Durão Barroso...et cetera, et cetera. As evidências de saloiice são inumeráveis. Para além do saque dos egrégios banqueiros e da fina-flor do entulho financeiro que, sabe-se agora (só agora!), andaram a sujar os colarinhos, temos as partes gagas de 99% dos membros do governo et al: Augusto Santos Silva, um vira-casaca empenhado em defender a honra do governo a todo o custo (uma espécie de aprendiz de torcionário a brincar aos pides, com ameaças, censura e tudo); Sócrates (já gastei demasiada tinta com ele) tem um percurso de vida que é um hino à saloiice; Maria de Lurdes Rodrigues declarou publicamente ter atingido o orgasmo político (ou melhor, que o ponto mais alto da sua carreira foi) quando um garoto (saloio), assombrado pela ‘dádiva’ de um Magalhães, afirmou que estava tão feliz que quando pudesse votar, fá-lo-ia a favor do partido que tão gentilmente o ‘presenteou’ com um computador, o PS (coitada!); António Pinho defendeu o currículo de um empossado, dizendo que ele era bom pois havia tirado o curso na faculdade onde o Obama estudou (na east coast dos U.S. of A..); o caceteiro Jorge Coelho não chegou a bater naqueles que se têm metido com o PS porque foi governar a sua vida; o Durão ‘cherne’ Barroso também se fez à vida...Cavaco governa a sua apelando à serenidade...Tanto saloio num território tão pequeno. 
            Regra geral, os partidos políticos ditos ‘de poder’ são autênticas universidades da canalhada, onde só os mais incompetentes trepam, a custo (ou cuspo) de lamber as botas da pessoa certa, o líder promissor. O unanimismo na votação das propostas de Sócrates para o congresso do partido é sintomático disso. Mas é também a prova de que no PS a subida das hostes saloias ao controlo do partido está terminada e perfeitamente pacificada. As ‘bases’ já chegaram ao topo. Uma fatia substancial do PSD, um partido que se auto-proclama de ‘popular’, está bastante mais reticente em deixar que a turba saloia chegue ao poder. Neste partido os ‘barões’ estão a estrebuchar, mas recusam-se a entregar o partido aos saloios das ‘bases’, estando a laranja a pagar um alto preço por isso.
            Os saloios vieram para ficar. A vingança e a sede de poder estão inscritos no seu código genético. Portugal está no papo. O cancro instalou-se e é impiedoso. Não há nada que dê cabo dele?
           


Este artigo é dedicado ao amigo João Miguel, que a esta hora deve andar às curvas pela twilight zone (bem longe dos saloios), e ao Cardoso Pires e à sua “Cartilha do Marialva”.

SE ISTO FOSSE UM PAÍS



            Nestes tempos de banqueiros corruptos e de políticos saloios, desqualificados e demagógicos, há que lembrar uma das figuras mais marcantes das nossas letras, Jorge de Sena (e, em especial, um dos seus mais duros ataques à pequenez portuguesa: o poema “Não, não, não subscrevo”).

            Jorge de Sena foi demasiado grande para este limitado país. O maior poeta português do séc. XX (se tivermos em conta a extensão e qualidade da sua obra) passou por aqui como um cometa. Não por ter morrido demasiado cedo, mas por ter vivido sem o reconhecimento que lhe era devido. Um espírito livre como o de Jorge de Sena - vincadamente de esquerda, mas da livre, não da outra - não podia ter lugar neste escasso país, nem antes, nem depois da revolução dos cravos. Sena viveu a maior parte da sua vida à espera de uma revolução que tardava, e quando ela finalmente chega, logo viu que seria liderada pela demagogia e por uma cambada que havia esperado dezenas de anos pela oportunidade de abocanhar o poder. (A sua amiga Sophia de Mello Breyner também não se iludiu). 
            Muitos poemas de Sena estão eivados de ódio e amargura, sobretudo os de uma fase mais tardia. Não se poderia esperar outra coisa de um homem que, tendo sido aclamado de pé pelo júri na cerimónia do seu Doutoramento numa faculdade brasileira, num claro louvor que quebrou o apertado protocolo académico, foi esquecido pelos seus pares da ‘piolheira’. Jorge de Sena não foi admitido para leccionar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa pelo facto de a sua formação de base ser de engenharia (Engenharia à séria, não aquela feita à custa de um certo ‘simplex’!), mas essa foi uma desculpa esfarrapada, pois aquilo que Jacinto Prado Coelho (académico da Faculdade de Letras ligado à esquerda não-livre) temia era ter como colega um irreverente como Sena.  
            Em “Não, não, não subscrevo” temos Sena a atirar em todas as direcções: à esquerda (contra os demagogos que procuraram levar o povo para outro regime político que o privaria de liberdade, e que se limitaram a recitar as cartilhas de Marx, Mao,etc); à direita (obviamente); à gentalha académica que menosprezou a sua poesia, acusando-a de “discursiva” (sempre aquele gostinho tão bacocamente português pelo complicado e pelos joguinhos de palavras incompreensíveis...quanto menos se entender, melhor é a poesia); aos que nunca lhe perdoaram a liberdade de espírito; aos da finança (sempre a ver se passam despercebidos).
            Se os poemas destilassem veneno, este daria de certeza um frasco de elevado grau de pureza. Se isto fosse um país, ouvir-se-ia este poema publicamente em todos os ‘10 de Junho’. (dito pelo Mário Viegas, claro).
           

            ... mas fiquemos com o que interessa, os poemas do Sena e da Sophia. Repare-se na data em que foram escritos!


(O sublinhado no último poema é meu. Não gosto de sublinhar para que os outros leiam, mas, dado ser um longo poema, atrevi-me a fazê-lo.)

Nesta hora
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste

                Sophia de Mello Breyner
                  20 de Maio de 1974



"NUNCA PENSEI VIVER..."


Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade - (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
- no negro desespero sem esperança viva -
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?

Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe-
E agora, povo português?

Essas promessas - há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?

E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem?
E agora, povo português?


Jorge de Sena
Santa Bárbara, 27/4/74 


e para os que tenham a coragem de (re)ler todo este longo poema:

 "Não, não, não subscrevo"


Não, não, não subscrevo, não assino
que a pouco e pouco tudo volte ao de antes,
como se golpes, contra-golpes, intentonas
(ou inventonas - armadilhas postas
da esquerda prá direita ou desta para aquela)
não fossem mais que preparar caminho
a parlamentos e governos que
irão secretamente pôr ramos de cravos
e não de rosas fatimosas mas de cravos
na tumba do profeta em Santa Comba,
enquanto pra salvar-se a inconomia
os empresários (ai que lindo termo,
com tudo o que de teatro nele soa)
irão voltar testas de ferro do
capitalismo que se usou de Portugal
para mão-de-obra barata dentro ou fora.
Tiveram todos culpa no chegar-se a isto:
infantilmente doentes de esquerdismo
e como sempre lendo nas cartilhas
que escritas fedem doutras realidades,
incompetentes competiram em
forçar revoluções, tomar poderes e tudo
numa ânsia de cadeiras, microfones,
a terra do vizinho, a casa dos ausentes,
e em moer do povo a paciência e os olhos
num exibir-se de redondas mesas
em televisas barbas de falácia imensa.
E todos eram povo e em nome del' falavam,
ou escreviam intragáveis prosas
em que o calão barato e as ideias caras
se misturavam sem clareza alguma
(no fim das contas estilo Estado Novo
apenas traduzido num calão de insulto
ao gosto e à inteligência dos ouvintes-povo).

Prendeu-se gente a todos os pretextos,
conforme o vento, a raiva ou a denúncia,
ou simplesmente (ó manes de outro tempo)
o abocanhar patriótico dos tachos.
Paralisou-se a vida do país no engano
de que os trabalhadores não devem trabalhar
senão em agitar-se em demandar salários
a que tinham direito mas sem que
houvesse produção com que pagá-los.
Até que um dia, à beira de uma guerra
civil (palavra cómica pois que do lume os militares seriam quem tirava
para os civis a castanhinha assada),
tudo sumiu num aborto caricato
em que quase sem sangue ou risco de infecção
parteiras clandestinas apararam
no balde da cozinha um feto inexistente:
traindo-se uns aos outros ninguém tinha
(ó machos da porrada e do cacete)
realmente posto o membro na barriga
da pátria em perna aberta e lá deixado
semente que pegasse (o tempo todo
haviam-se exibido eufóricos de nus,
às Africas e às Europas de Oeste e Leste).
A isto se chegou. Foi criminoso?
Nem sequer isso, ou mais do que isso um guião
do filme que as direitas desejavam,
em que como num jogo de xadrez a esquerda
iria dando passo a passo as peças todas.
É tarde e não adianta que se diga ainda
(como antes já se disse) que o povo resistiu
a ser iluminado, esclarecido, e feito
a enfiar contente a roupa já talhada.
Se muita gente reagiu violenta
(com as direitas assoprando as brasas)
é porque as lutas intestinas (termo
extremamente adequado ao caso)
dos esquerdismos competindo o permitiram.

Também não vale a pena que se lave
a roupa suja em público: já houve
suficiente lavar que todavia
(curioso ponto) nunca mostrou inteira
quanta camisa à Salazar ou cueca de Caetano
usada foi por tanto entusiasta,
devotamente adepto de continuar ao sol
(há conversões honestas, sim, ai quantos santos
não foram antes grandes pecadores).
E que fazer agora? Choro e lágrimas?
Meter avestruzmente a cabeça na areia?
Pactuar na supremíssima conversa
de conciliar a casa lusitana,
com todos aos beijinhos e aos abraços?
Ir ao jantar de gala em que o Caetano,
o Spínola, o Vasco, o Otelo e os outros,
hão-de tocar seus copos de champanhe?
Ir já fazendo a mala para exílios?
Ou preparar uma bagagem mínima
para voltar a ser-se clandestino usando
a técnica do mártir (tão trágica porque
permite a demissão de agir-se à luz do mundo,
e de intervir directamente em tudo)?
Mas como é clandestina tanta gente
que toda a gente sabe quem já seja?
Só há uma saída: a confissão
(honesta ou calculada) de que erraram todos,
e o esforço de mostrar ao povo (que
mais assustaram que educaram sempre)
quão tudo perde se vos perde a vós.
Revolução havia que fazer.
Conquistas há que não pode deixar-se
que se dissolvam no ar tecnocrata do oportunismo à espreita de eleições.
Pode bem ser que a esquerda ainda as ganhe,
ou pode ser que as perca. Em qualquer caso,
que ao povo seja dito de uma vez
como nas suas mãos o seu destino está
e não no das sereias bem cantantes

(desde a mais alta antiguidade é conhecido
que essas senhoras são reaccionárias,
com profissão de atrair ao naufrágio o navegante intrépido).
Que a esquerda
nem grite, que está rouca, nem invente
as serenatas para que não tem jeito.
Mas firme avance, e reate os laços rotos
entre ela mesma e o povo (que não é
aqueles milhares de fiéis que se transportam
de camioneta de um lugar pró outro).
Democracia é isso: uma arte do diálogo
mesmo entre surdos.
Socialismo a força
em que a democracia se realiza.
Há muito socialismo: a gente sabe,
e quem mais goste de uns que dos outros.
É tarde já para tratar do caso: agora
importa uma só coisa - defender
uma revolução que ainda não houve,

como as conquistas que chegou a haver
(mas ajustando-as francamente à lei
de uma equidade justa, rechaçando
o quanto de loucuras se incitaram
em nome de um poder que ninguém tinha)
E vamos ao que importa: refazer
um Portugal possível em que o povo
realmente mande sem que o só manejem,
e sem que a escravidão volte à socapa
entre a delícia de pagar uma hipoteca
da casa nunca nossa e o prazer
de ter um frigorifico e automóveis dois.
Ah, povo, povo, quanto te enganaram
sonhando os sonhos que desaprenderas!
E quanto te assustaram uns e outros,
com esses sonhos e com o medo deles!
E vós, políticos de ouro de lei ou borra,
guardai no bolso imagens de outras Franças,
ou de Germânias, Rússias, Cubas, outras Chinas,
ou de Estados Unidos que não crêem
que latinada hispânica mereça
mais que caudilhos com contas na Suíça.
Tomai nas vossas mãos o Portugal que tendes
tão dividido entre si mesmo. Adiante.
Com tacto e com firmeza. E com esperança.
E com um perdão que há que pedir ao povo.
E vós, ó militares, para o quartel
(sem que, no entanto, vos deixeis purgar
ao ponto de não serdes o que deveis ser:
garantes de uma ordem democrática
em que a direita não consiga nunca
ditar uma ordem sem democracia).
E tu, canção-mensagem, vai e diz
o que disseste a quem quiser ouvir-te.
E se os puristas da poesia te acusarem
de seres discursiva e não galante
em graças de invenção e de linguagem,
manda-os àquela parte.
Não é tempo para tratar de poéticas agora.

Jorge de Sena, Fevereiro 1976
(aniversário de uma tentativa heróica de conter uma noite que duraria décadas)