domingo, 9 de janeiro de 2011

CAVACO E AS (BOAS) ACÇÕES

O meu nome é Tó Escamas da Cunha Cabral e sou um mero repórter fotográfico de um pasquim que se chama “Petinga Empalhada”. Escrevo esta carta ao director pois obtive, por mero acaso, um furo jornalístico de inquestionável importância: Cavaco comprou as acções a preço de saldo, na Feira da Ladra, e as suas intenções não foram especulativas, mas sim enternecedoras.
Como é que descobri? Fácil, eu estava lá a vender gravadores de bolso e pude registar a conversa entre Cavaco e o fulano da SLN.

Feira da Ladra, 9 horas da manhã

Fulano da SLN: Acções baratinhas, olhás acções baratinhas…é pegar ou largar…
(Aparece Aníbal Cavaco acompanhado pela sua esposa e restantes membros da família…Maria Cavaco fica para trás a ver uns livros sobre a vida de Cristo…um deles era O Evangelho do Saramago…carrega o sobrolho e num esgar de vómito larga o livro e desata a correr em direcção ao esposo, agoniada. Aníbal não lhe passou cavaco…estava doido com o preço das acções. Aníbal aproxima-se e, fingindo não conhecer o vendedor, enceta conversa)
Aníbal: Está um dia bonito, sim senhor…um dia fantástico para comprar acções a preço de saldo.
(O fulano da SLN reconheceu a senha…só podia ser o sotôr Aníbal)
SLN: Tenho aqui umas belas acções. Estão a um euro. Posso garantir-lhe que ali estão a vendê-las a dois e três euros.
(Os olhos de Aníbal reviraram-se de prazer…Maria já tinha visto aqueles olhos antes, num contexto diferente)
Aníbal: Sabe, sou um avô babado…
SLN: O meu era bêbedo…
Aníbal: Estou com alguns problemas financeiros…os meus netos estão sempre a reclamar presentes. Quando vão lá a casa, aparecem logo com a mão estendida. Comecei por dar-lhes bombons, ovos de chocolate…mas entretanto cresceram e querem sempre mais. Na última vez foi um porche e três I-Pad. Nunca estive tão em baixo…
SLN: Há comprimidos bons para isso…
Aníbal: …eu estou a falar em termos financeiros. O meu instinto de grande economista diz-me que devo ficar por aqui. As outras acções, as mais caras, vão dar menos dinheiro, penso…
(Maria carregou o semblante…nunca vira Aníbal esboçar dúvidas em público...muito menos dúvidas de um calibre tão…imbecil. O fulano da SLN esboçou um sorriso cúmplice)
Aníbal: Aqui está o seu dinheiro.
SLN: Aqui estão as suas acçõezinhas, sotôr.
(Aníbal tenta esboçar um sorriso, mas não consegue...fica-se por um esgar que podia confundir-se com um indício de possível ida à casa de banho. O homem da SLN diz que aquelas coisas acontecem, e indica a latrina mais próxima com o braço estendido. Aníbal não percebeu. Maria ficou incomodada…nunca vira o marido a mostrar total ausência de compreensão em público. Pela sua careta podia ver-se que o marido iria ouvir das boas em casa. Aproxima-se o neto mais novo de Aníbal, montado numa moto 4)
Neto mais novo: Avô, vou levar esta…
Aníbal: Ó meu querido, agora não pode ser, mas daqui a uns aninhos estes papelinhos que tenho na mão podem comprar todas as motos 4 que quiseres. Tens de ter paciência, queridinho.
(Aproxima-se o neto ainda mais novo de Aníbal. Na mão traz um livro muito manuseado)
Neto ainda mais novo: Avô! Quero este livro…gosto do desenho…e custa só 50 cêntimos. A avó está sempre a dizer que temos de ler muito para ficarmos muito espertos.
(A avó Maria, babada, aproxima-se do neto. Quando vê de que livro se trata não tem tempo sequer de pensar em latrinas…os restos do pequeno-almoço mancham a capa onde ainda se podiam ler as palavras ‘Evangelho’ e ‘Saramago’. O pai do rapazito não percebeu…é mesmo um Anibal)

Noel Petinga Leopoldo

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