segunda-feira, 21 de março de 2011

PORTUGAL ESTÁ NAS MÃOS DOS SALOIOS

              Deste mundo que morre (...)
              não me despeço. Morrerei tranquilo,
              ciente de que isto acaba de acabar-se,
              e uma outra raça há-de nascer na Ibéria
              que será minha como esta não:
              um povo aguarda e espreita, e sabiamente espera
              que os ratos se devorem uns aos outros.

                                   Jorge de Sena, 31 Dez. 1971
                                   in Visão Perpétua


            Já muito tem sido dito e escrito sobre os factores que levam a que Portugal não saia da cepa torta. Os últimos tempos têm sido pródigos em causas. Já deixámos a época das suposições; agora, temos certezas: o carácter absolutamente saloio da nossa classe política, empresarial e financeira é que está a dar a estocada final no país, não a pseudo-falta de produtividade dos trabalhadores explorados até ao tutano, não os custos com o ‘monstro’ da administração pública.
            Convém explicitar o que é esse carácter saloio, e em que medida ele obsta ao desenvolvimento do país. O saloio já não é aquela figura patusca que vivia nos arrabaldes de Lisboa e cuja mulher ganhava uns tostões a lavar a roupa das burguesinhas da capital. O saloio é, sim, um ser asqueroso que leva a sua vida com o único propósito de se vingar do facto de ter sido (em tempos) o mais pobre do lugarejo, ou de não ter tido a vida fácil dos meninos mais ricos. Entretanto, o saloio espalhou-se, saiu do terrunho e multiplicou-se, como os ratos. Hoje tanto há saloios nas beiras, em Caneças, ou na Avenida de Roma (mesmo antes de a ministra da educação ter adquirido lá uma modesta ‘casinha’). Eles chegaram ao poder, e em força; o objectivo: comer tudo e não deixar nada.
            A proliferação de políticos vindos dessas escolas de talentos que são os partidos políticos deu-se rapidamente e atingiu o ponto máximo com José Sócrates. Ainda o actual chefe do governo era um modesto engenheiro técnico (que sonhava ser apenas eng.º), já tinha a cabeça noutros lados. (O homem andava tão distraído que até rubricou uns projectos de casas que a ridícula Lili Caneças teria pudor de perfilhar). A sua ambição levava-o para longe, para a carreira política num partido de poder. Depois de ter estado à experiência na juventude da laranjada, passou-se para o PS (não sei se antes ou depois de ter apertado a mão da Edite Estrela, a mulher invisível que é a n.º 2 para a Europa). A mãozada saiu-lhe cara, isto é, entrou no partido pela porta da frente. Chegado à capital, enfiou-se no ISCTE (um ninho de altos quadros da saloiice). Cedo se apercebeu de que tinha de ser eng.º o mais rapidamente possível, pois a sua carreira política não podia esperar mais. O seu companheiro de carteira viria a ser, nada menos do que Armando Vara, prestes a tornar-se um carreirista profissional. Foi assim que o homem se engenheirou via ‘simplex’ (avant la lettre).
            A carreira política até podia ser uma coisa com a sua dignidade, pois então. O pior é que os saloios (os tais que só cá estão para sugar o sangue da manada) descobriram que a política os poderia levar ainda mais longe, muito mais longe. A invasão saloia atingiu proporções verdadeiramente malignas quando os seus protagonistas se aperceberam de que as câmaras municipais das santas terrinhas não eram o fim da escalada. Com o tempo, a Assembleia da República e as denominadas cúpulas dos partidos foram recebendo os saloios ávidos de poder e influência, e desejosos de vingança. Enquanto isto acontecia, os homens e mulheres da antiga escola da ética política iam morrendo, ou ensandecendo (não é verdade Sr. Almeida Santos?) e o caminho ficou ainda mais livre. Não há português vivo que não associe o nome de Portugal a crise; são indissociáveis. Com esta leva de políticos saloios que nos governa (e governará) a sentença de país em crise passou a perpétua. (A Escola até podia acabar com isto, mas os saloios estão empenhadíssimos em dar cabo dela, claro. Já dizia o Cardoso Pires na sua recomendável “Cartilha” que o marialva –leia-se, saloio- desconfia muito dessas coisas que vêm nos livros, pois podem dar a volta ao miolo, que se quer vincadamente pacóvio.)
            Há muitos protagonistas desta marcha saloia: Vítor Constâncio, Américo Amorim, Jardim Gonçalves, o governo (excepto Luís Amado), Cavaco Silva, Durão Barroso...et cetera, et cetera. As evidências de saloiice são inumeráveis. Para além do saque dos egrégios banqueiros e da fina-flor do entulho financeiro que, sabe-se agora (só agora!), andaram a sujar os colarinhos, temos as partes gagas de 99% dos membros do governo et al: Augusto Santos Silva, um vira-casaca empenhado em defender a honra do governo a todo o custo (uma espécie de aprendiz de torcionário a brincar aos pides, com ameaças, censura e tudo); Sócrates (já gastei demasiada tinta com ele) tem um percurso de vida que é um hino à saloiice; Maria de Lurdes Rodrigues declarou publicamente ter atingido o orgasmo político (ou melhor, que o ponto mais alto da sua carreira foi) quando um garoto (saloio), assombrado pela ‘dádiva’ de um Magalhães, afirmou que estava tão feliz que quando pudesse votar, fá-lo-ia a favor do partido que tão gentilmente o ‘presenteou’ com um computador, o PS (coitada!); António Pinho defendeu o currículo de um empossado, dizendo que ele era bom pois havia tirado o curso na faculdade onde o Obama estudou (na east coast dos U.S. of A..); o caceteiro Jorge Coelho não chegou a bater naqueles que se têm metido com o PS porque foi governar a sua vida; o Durão ‘cherne’ Barroso também se fez à vida...Cavaco governa a sua apelando à serenidade...Tanto saloio num território tão pequeno. 
            Regra geral, os partidos políticos ditos ‘de poder’ são autênticas universidades da canalhada, onde só os mais incompetentes trepam, a custo (ou cuspo) de lamber as botas da pessoa certa, o líder promissor. O unanimismo na votação das propostas de Sócrates para o congresso do partido é sintomático disso. Mas é também a prova de que no PS a subida das hostes saloias ao controlo do partido está terminada e perfeitamente pacificada. As ‘bases’ já chegaram ao topo. Uma fatia substancial do PSD, um partido que se auto-proclama de ‘popular’, está bastante mais reticente em deixar que a turba saloia chegue ao poder. Neste partido os ‘barões’ estão a estrebuchar, mas recusam-se a entregar o partido aos saloios das ‘bases’, estando a laranja a pagar um alto preço por isso.
            Os saloios vieram para ficar. A vingança e a sede de poder estão inscritos no seu código genético. Portugal está no papo. O cancro instalou-se e é impiedoso. Não há nada que dê cabo dele?
           


Este artigo é dedicado ao amigo João Miguel, que a esta hora deve andar às curvas pela twilight zone (bem longe dos saloios), e ao Cardoso Pires e à sua “Cartilha do Marialva”.


Noel Petinga Leopoldo

quarta-feira, 9 de março de 2011

A ÚLTIMA CEIA DE JOSÉ SÓCRATES

Começo por afirmar, sem que haja margem para dúvidas, que não desejo a morte do Sr. Sócrates, e espero que ele tenha muitas mais ceias pela sua vida fora…de robalinho grelhado…e coisas boas do género.
                Não passou despercebida da opinião pública a triste cena em que jovens do movimento ‘Geração à Rasca’, numa atitude bem punk rocker (tipo ‘no future’…Sex Pistols…anos 70) num jantar que seria de apoio a Sócrates, foram empurrados e esbofeteados  desnecessariamente pelos gorilas do Sr. Primeiro-Ministro só por empunharem cartazes e atirarem para o ar umas megafónicas frases que não se destinavam propriamente a louvar o senhor (Sócrates). (Jovens à rasca é um belo pleonasmo, pois jovens que não estão ‘à rasca’, só aqueles ‘jovens agricultores’ cinquentões e sabidões dos subsídios, e os jotinhas dos partidos de poder…todos os outros têm muitos motivos para se sentirem enrascados). Penso até que, no fundo, o que os levou ali foi a necessidade de receber ensinamentos de alguém que, depois de ver o nome tão mencionado em variadíssimos escândalos ligados a corrupção e tráfico de influências (nada provado…nada provado!), nunca se sentiu ‘à rasca’…talvez por já não ser jovem.
                Lembrei-me deste eucarístico título porque a atitude de Sócrates fez-me lembrar muito algumas cenas da vida de Cristo. De facto, após terem sido expulsos do ‘templo’ (não pelo Primeiro-Ministro, note-se), este, num gesto de quase perfeita magnanimidade cristã, grita aos jovens que não se vão embora…que fiquem...bem diz a Bíblia: ‘Felizes os convidados para a ceia do Senhor’. (aqui a comparação é abusiva porque depois de terem levado uns bons bofetões dos cães de fila do Sr. Sócrates, a rapaziada estava bem longe desse estado de felicidade que é a graça de acompanhar o Primeiro-Ministro num jantar. Também se pode ler no livro sagrado: ‘Vinde a mim as criancinhas’ – neste caso, ‘vinde a mim esses jovens descontentes…vinde a mim.’ Mas o gesto mais crístico do sr. Ministro foi quando deu a entender que teria muito prazer em tê-los por companhia no jantar, mesmo depois de ter sido vilipendiado por eles. Que gesto magnânimo! É, ou não é uma verdadeira atitude de ‘dar a outra face’? Há alguma coisa mais cristã do que isto. Sócrates, o rabugento Sócrates, conhecido por se irritar facilmente quando o põem um bocadinho em causa, perdoou publicamente aquele grupo de jovens, e fê-lo com expressões faciais tão…tão pacíficas, iluminadas de piedade.
Diz quem lá esteve que quando Sócrates se sentou, o grupo de pessoas que ficou no banquete (velhos, e jovens que não estão ‘à rasca’) gritaram em uníssono: Ecce Homo!
 Temos Messias!


Noel Petinga Leopoldo